Meios Dias

Sunday, October 15, 2006

Desapego

As duas escovas de dente resumem bem os últimos meses. A rosa quer dizer "sim, a esperança resiste"; a roxa, "vem pra casa assistir a um filme que a gente com certeza não vai assistir hoje".
Mas não quero mais nenhuma. Prefiro a minha, azul, de cerdas espalhadas, que preciso trocar e lembro todo dia ao sair de casa e esqueço ao passar pela farmácia, entretido com o horário ou com outro jogo mental que não canso de fazer.
Porque eu penso, penso, penso, penso (e esse recurso de repetir palavras para parecer rock'n'roll eu já usei no texto abaixo, sem sucesso) e nada sai da minha cabeça. A minha memória serve para me confundir e torturar. Tal qual um arquivo morto e ruim.
E objetos, escovas sem uso que apenas juntam poeira em cima da pia, são parte da memória ruim. Defendê-las sobre a pia é defender a auto-tortura e a sabotagem interna que tanta gente, terapeutas ou não, insiste para dispensar da vida. Pois essa solidão a qual me reservo agora é para tratar melhor dos meus dentes, enquanto ninguém mais liga ou tem interesse em deixar seu porta-cerdas sobre qualquer item de mármore que eu tenha no meu apartamento.

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