Meios Dias

Sunday, August 20, 2006

Impressoes

Bom, esta eh a terceira parada desde que comecei a rodar o Velho Continente. Amanha faco a quarta e penultima. Poderia ser a quinta _por conta de nove horas parado em Portugal.
Mas a questao nao eh jurar que pais eh melhor ou pior. Entre uma fronteira e outra, as diferencas vao alem do clima. Eu juro que nao sabia o quanto esta Berlim era cosmopolita, mais do que Londres. A capital britanica, meu chapa, eh mais terra de ninguem do que cidade.
Berlim respira dois mundos, e isso todo mundo sabe. As separacoes entre os lados oriental e ocidental sao evidentes, com o ultimo tentando contar a historia do jeito dele _ela esta no checkpoint Charlie, no museu da DDR, na ridicularizacao macica do lado oriental. Vale o esforco, no entanto, para sacar o que sao as duas cidades, como fica a historia para cada parte dela _por exemplo, o lado ocidental faz esforco para lembrar que a potencia olimpica oriental nada mais era que um povo anabolizado por trunfos que os legitimassem politicamente. Foi mais que isso.
E aqui, meu filho, o povo nao liga. Bem menos ate do que a Inglaterra ditadora de tendencias e modas etc. Ok, eles aqui ainda gostam dos 80 _vem falar mal do Depeche Mode para ver.
Mas o alemao eh o gente boa que vem perguntar se eu sei direito o que estou fazendo olhando fixo para o quadro de estacoes do metro. Ou aquele que empurra minha mala quando ve que o peso eh maior do que eu consigo carregar ou faz sinal para apontar a linha de dois jogadores livres no lado esquerdo do campo no estadio. O alemao eh aquele que fecha a Paulista de Berlim as 6h da tarde de uma sexta para montar um circo-parquinho. Eles curtem a vida adoidado.
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Ja Paris eh impessoal demais. Parisienses voce encontra nos onibus, senao vc nao os encontra. A cidade eh tomada por imigrantes, o que a deixa mais com a cara de toda a Africa reunida em uma so cidade europeia. A Franca paga com os imigrantes o preco da politica colonial no seculo 19, com gente do norte (Argelia, Marrocos, Tunisia) a Africa Equatorial (Senegal, Camaroes).
Assim, mais do que a torre Eiffel, o Louvre, o Arco do Triunfo, o bom de ver em Paris eh a mistura de trajes arabes e negros, todos eles bem fieis a origem, cultuano linguas e tradicoes.
Como bem disse Thuram, o capitao daquela selecao que mais empolgou na Copa 2006, aquele time que jogou na Alemanha nao representava os negros, nem os arabes, nem mesmo aqueles que juram ter o sangue frances que o direitista Jean Marie Le Pen tanto procura. Aquele time, assim como aquela gente que vc na rua ou nas liquidacoes, eh o que Franca combinou de ser o seu povo, algo muito mais libertario do que qualquer revolucao faria supor 220 anos atras.
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E a Espanha eh a Bahia da Europa. Ora, nao eh nenhum julgamento embutido em preconceito nestas linhas. Na Espanha faz calor e todo mundo, no Brasil ou na Inglaterra, quer ir lah um dia morar. E o espanhol eh muito senhor dele, e so dele. Nao faz questao de se importar com o que acontece do lado de fora daquele quadrado solto entre o mar Mediterraneo e o oceano Atlantico.
Mas, bem, esta foi a impressao de Madrid. Nas ruas nao vi sinal de dores com o franquismo. Vi gente feliz, alegre, pronta para sair a noite conhecer o seu novo par. O individualismo faz parte do jeito de ser do espanhol. Foi assim que ele desenvolveu sua cidadania; eh assim que ele ve seus maiores simbolos, seus pintores e escritores. Como a Bahia: um lugar que vai crescendo a sombra de seus mestres Amados, Caetanos e por ai afora. Da ate para tirar um cochilo a tarde.

Tuesday, August 08, 2006

Falando de arte

Ora, o conceito. Tem gente que rasga tanta regra só para nao segui-lo quando o mais fácil, sabe-se, é brincar de o seguir. "Joga o jogo", alguém disse num bar qualquer um dia aí. O cinismo nem sempre é jogar o jogo. É fazer leis, e esperto de quem se ligar e rir _porque dele só se pode rir.
Hoje, quarto dia de viagem, de férias e os pés e coxas em bolhas em Madri, vi Velasquez e pude me impressionar e quase chorar com o que ele tinha nas maos. Velasquez viveu toda a vida à custa do império espanhol. Retratou seus reis e princípes e conseguiu deixá-los sem expressao, quando pintava as párias do castelo com o que faltava à nobreza. Disso sobrou o anao de fraco desempenho mental com a ternura que poucos compartilham àquele tempo; a elegância de um barbeiro do papa como o único registro de uma viagem ao Vaticano; a seriedade sóbria daqueles que divertiam reis e corte. Velasquez sabia que ninguém poderia acusá-los dessas visoes. Pintou com os olhos de quem é direto em suas opinioes; nao foi explícito: deixou para os olhos de quem vê seus quadros o tom da concordância ou da maldiçao.
Tao nobre quanto Picasso, instalado nos dois grandes museus da cidade, o Prado e o Reina Sofia. A ocasiao é a nobre chegado, há 20 anos, da Guernica à terra que a inspirou.
Picasso fez sua principal criaçao com a crítica política. E da crítica artística expressou em seus últimos quadros, com recriaçoes daqueles que foram suas maiores escolas.
Ele foi polêmica, mas deixou de guiar uma viagem dentro de si quando chegou à velhice. Preferiu dar cor às suas visoes, e aí está o seu legado.
Picasso, como Velasques, recorre ao conceito para fomentar a unidade de uma obra. Ela nao está no estilo das pinceladas (as 40 mutaçoes de Picasso ao longo da carreira estao aí para provar que nao era no traço que o seu estilo residiu), mas no modo como cada um, a seu tempo, enxergou a arte e o perfil de quem estava ao seu redor.

Monday, August 07, 2006

Dias pela metade

É o costume dos dias iniciados ao meio. O sono vai até o meio-dia, quando desperto, jogo longe o cobertor e tento descobrir se faz sol ou chuva. A cortina cai. Levanto, arrumo o que resta de meus pregos na parede e tento recolocá-la, para, dali em diante, levantá-la e ver a luz entrar.
Mas pára: aqui os dias começam cedo, antes de o céu clarear aí. Eles passam da metade, deixam o sol no ar por 17, 18 horas. Quando é meio-dia ligo para a mae, para dizer como estou.
E eu estou. Bem, cansado, queimado. Com a cabeça frita mas nao pelo que me preocupa. É o sol madrilheno, lançado sobre os poucos fios que ainda restam nesta cabeça sem couro. Tenho 30 anos, com um sonho passado e o sangue um pouco pisado, mas resta um coraçao. Ele bate, nao sei a que horas, nao sei o que eu digo agora. É só o coraçao. Sou quase uma música do Fagner, mas ainda creio que dá para ser feliz. Vou tirar a camisa e sair por aí.